sábado, 20 de setembro de 2008

Abertura: o longo processo constituinte

O AI-5 permaneceu em vigor até 1978, dez anos em que o regime militar sufocou as oposições, exterminando a luta armada das guerrilhas que se formaram a partir de 1968, censurando a imprensa, controlando o Congresso e o Judiciário - o AI-5 havia cassado os Ministros Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima do Supremo Tribunal Federal. Mas, ao mesmo tempo, o Governo promovia o crescimento econômico (média de 11% PIB anual), investia na produção de petróleo, construía Itaipu, era o responsável pelo "milagre brasileiro" e, por isso, tinha a classe média também ao seu lado.

Em 1974 é eleito presidente o General Ernesto Geisel com o compromisso de realizar uma "lenta, gradual e segura" abertura política. Segundo Boris Fausto, a decisão de Geisel não era unanimidade entre os militares, principalmente aqueles de mais baixo escalão que ganharam poder atuando na linha de frente da repressão, a "Linha Dura". Isso ajuda a explicar porque o processo de abertura política realmente fora lento, gradual, mas completamente inseguro, ou seja, cheio de episódios que o ameaçavam. Nem o próprio Geisel queria simplesmente entregar o Governo para a oposição, a pretensão era realizar a transição para um governo civil que fosse convenientemente conservador, isso ficaria claro na escolha governista do deputado Paulo Maluf para a disputa com Tancredo Neves no Colégio Eleitoral de 85.

As intenções ambíguas do governo militar ficariam mais explícitas logo depois das eleições legislativas de 1974, quando o MDB obteve um grande avanço. Preocupado, o governo editou a "Lei Falcão", que regeria as eleições municipais de 76. Essa lei proibia o acesso dos candidatos ao rádio e à televisão, além de outras limitações. Mesmo assim o MDB conseguiu a maioria das prefeituras e vagas nas câmaras de vereadores, derrotando o partido governista, a ARENA. A resposta do Governo viria no ano seguinte e indicava que em lugar de abertura o país viveria um novo retrocesso autoritário. As medidas ficariam conhecidas como "O Pacote de Abril".

Pelo pacote de medidas - que viria a inspirar os fundadores do 1 º bloco carnavalesco de Brasília, o Pacotão - o Congresso entrava em recesso, para que os militares promovessem a sua própria "reforma política", de modo a restaurar o comando da distenção. Essa era a estratégia de Geisel, permitir a abertura partidária e eleitoral, mas dar um jeito de garantir a maioria no Congresso, e assim assegurar a eleição indireta do Presidente da República. Conseguiu, fez o sucessor, o último presidente militar, general João Batista Figueiredo, eleito pelo Colégio Eleitoral em 1978, na época, chefiava o SNI. Outra mensagem ambígua.

Mas o General cumpriria à risca a tarefa de reconduzir o país à democracia, até porque, em determinado momento a sociedade não permitiria mais a permanência dos militares no Poder. Não teríamos uma nova constituição outorgada.

Figueiredo manteve o processo de abertura política e, inclusive, o projeto Geisel de condução desse processo, quando aprovou no Congresso, em agosto de 1979, seu projeto de Lei de ANISTIA, cuja interpretação permitiu essa concessão à linha dura que foi a anistia dos torturadores. Ela, no entanto, permitiu a volta dos exilados políticos, e, conforme B. Fausto, "foi um passo importante na ampliação das liberdades públicas".

Nesse mesmo ano de 79, em novembro, entra em vigor a nova lei orgânica dos partidos políticos, que os obrigava a ostentar a letra "p" em suas siglas. Nascem o PMDB, o PDS (antiga ARENA), o PT, o PDT. As lideranças políticas que dominariam a atenção do processo constituinte brasileiro estavam naquele momento formalmente posicionadas: Ulysses, Tancredo, FHC, Serra, Covas, Lula, Sarney, Roberto Freire, Maluf...

Mas, a primeira e explícita grande manifestação do Poder Constituinte foi a campanha pelas "Diretas Já", o movimento político e popular de apoio à aprovação da proposta de emenda constitucional que instituía as eleições diretas para Presidente da República, as únicas que ainda eram feitas no Colégio Eleitoral, a chamada "Emenda Dante de Oliveira", em homengaem ao deputado matogrossense que a propôs. A emenda foi derrotada pela maioria do PDS no Congresso, mas a força das manifestações populares e a grave crise econômica, denunciada pelas greves de milhões de trabalhadores, levariam ao poder novamente um civil, com a eleição de Tancredo Neves em 85. Figueiredo não transferiu a faixa presidencial para Sarney, que tomara posse na condição de vice. Pediu que o esquecessem e foi atendido. Como se sabe, Tancredo faleceu no dia de Tiradentes. Na cena política os militares deram a vez aos partidos e aos políticos, novamente. A nova Constituição acabaria com o voto indireto para a escolha do Presidente e isso iria provocar a primeira e talvez mais difícil crise institucional de toda a sua vigência, o caso Collor.

A Assembléia Nacional Constituinte foi instalada em fevereiro de 1987. Nas eleições do ano anterior, o PMDB fez todos os governadores dos Estados, à exceção de Sergipe. Conquistou também a maioria absoluta das cadeiras na Câmara e no Senado. De seu interior nasceria mais tarde o PSDB. A Constituinte de 87-88, no entanto, não foi obra exclusiva dos partidos, seu método e duração proporcionariam a riqíssima experiência democrática de participação dos diversos grupos e organizações sociais da sociedade brasileira na definição dos novos direitos constitucionais. O resultado já tem 20 anos de duração.

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