quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Era Vargas, não tem democracia, mas tem Constituição

A chamada Era Vargas é um dos períodos mais fecundos da historigrafia brasileira, tanto na fase que começa em 1930 e vai até 1945, quanto outra que vai da eleição de Getúlio 1950 e termina com seu suicídio em 1954, acossado por "forças ocultas", "corvos" e coturnos.

Vargas foi um típico ditador, um Napoleão dos Pampas, com acentuadas inclinações para a ideologia fascista. Ao mesmo tempo, é o líder político mais importante do século XX no Brasil. Foi o seu regime que iniciou a modernização do país, trouxe a industrialização, que ampliou os direitos trabalhistas, que tentava - sem democracia - instalar um Estado Providência no país. O Vargas, que enchia estádios de futebol para comemorar o dia 1º de maio e saudar a platéia e os ouvintes da rádio nacional com o bordão "trabalhadores do Brasil", era o mesmo que prendia e torturava dissidentes, não apenas os comunistas, mas também muitos liberais. Criou o Tribunal de Segurança Nacional, extinguiu a Justiça Eleitoral, criada em seu próprio regime e levada à Constituição de 1934. Governou o país sem eleições, nomeando interventores (alguns parentes) para o governo dos Estados. Legislou por Decreto-Lei, previsto na Constituição de 1937 e inspirado no fascismo de Mussolini.
Getúlio Vargas, "o pai dos pobres", "o guia", construiu uma imagem política sem precedentes na história republicana. Não há uma cidade no país que não tenha a Avenida Getúlio Vargas - talvez só Brasília, onde predomina JK. Sua era inaugura, de fato, outra fase republicana, depondo, com a Revolução de 30, as oligarquias paulistas da 1ª República. A ditadura formalmente e "constitucionalmente" (?) declarada só viria em 1937, como uma resposta autoritária à sucessão presidencial e em resposta definitiva e violenta a tentativas de golpes de integralistas e de comunistas.

Àquela altura da história do século passado - anos 30 -, a democracia liberal vivia uma grande crise ante o fracasso econômico mundial. Ao mesmo tempo, cresciam as alternativas autoritárias, como o regime fascista italiano, o nazismo alemão e o stalinismo soviético, que, opostos ideologicamente, punham-se de pleno acordo quando o assunto era centralismo político.

Essa história é contada melhor no livro de Boris Fausto, História Concisa do Brasil, da EdUSP. Transcrevo o seguinte trecho:

"A partir do fim da 1ª Guerra Mundial, os movimentos e idéias totalitários e autoritários ganharam força na Europa. Em 1922, Mussolini assume o poder na Itália, Stálin foi construindo seu poder absoluto na União Soviética; o nazismo se tornou vitorioso na Alemanha em 1933. A crise mundial concorreu também para o desprestígio da democracia liberal, associada no plano econômico ao capitalismo. O capitalismo, que prometera igualdade de oportunidades e abundância, caíra em um buraco negro do qual parecia incapaz de livrar-se. Em vez de uma vida melhor, trouxera empobrecimento, desemprego e desesperança. A democracia liberal, com seus partidos e suas lutas políticas aparentemente inúteis, levando à divisão do organismo nacional, era vista pelos ideólogos totalitários como um regime incapaz de encontrar soluções para a crise. A época do capitalismo e da liberal-democracia parecia pertencer ao passado."

Isso explica muita coisa, não é? Mas, vejam só, apenas para reforçar o ambiente político e constitucional dos anos 30, transcrevo o seguinte trecho de um contemporâneo, Oliveira Vianna (1934):

“Os parlamentos deixam ver cada vez mais a sua inutilidade, a sua imprestabilidade como órgãos auxiliares do governo político das sociedades... Vão sendo insensivelmente postos de lado e não sei se seria exagerado dizer se estão tornando progressivamente um aparelho inútil e dispendioso. Os partidos são simples agregados de clãs organizados para exploração de vantagens do Poder; meras associações de interesses privados ou delegações de pequenas oligarquias politicantes.”

Havia, portanto, condição história favorável à ditadura Vargas, mas porque então insistir na Constituição? Pode uma Constituição (1937) legitimar um governo autoritário?

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