segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Na democracia de 46, Getúlio Vargas outra vez

"Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história."

Getúlio Vargas, Carta-Testamento, agosto de 1954.


Com a deposição de Vargas e as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte e para a Presidência da República no final de 1945, começam os "anos dourados" no Brasil. A Copa de 50, a bossa nova, a imprensa livre, a Televisão, o primeiro título mundial de futebol em 58 e o bi de 62. O Cinema que viu nascer uma cidade, extraída das pranchetas modernistas e da decisão política do Presidente JK. Podemos até dizer que a "marcha para o oeste" brasileira foi provocada pela construção de Brasília, que interiorizou as atenções nacionais até então concentradas no litoral. Tudo isso sob a vigência de uma constituição que traz marcantes diferenças em relação às anteriores.

Para começar, o pluralismo. Nas eleições livres de 45, pela primeira vez, os eleitores eram mais de 10% da população brasileira. O voto feminino deixava de ser optativo. Extingui-se o sistema de representação profissional. Foi utilizado o sistema proporcional para a escolha de parlamentares da Câmara dos Deputados, por determinação no novo Código Eleitoral de 45., que restaurou os poderes da Justiça Eleitoral. Novos partidos políticos disputaram a competição eleitoral, com destaque para o PSD (cria de Vargas junto aos interventores federais nos Estados), a UDN (integrada pelos deserdados da 1ª Repúblicas), o PTB (criado pelas instâncias sindicais do Estado Novo), o PR, o PSP (de Ademar de Barros, aquele do "rouba, mas faz"), o PCB (O "partidão" de Prestes). Todos tiveram representação na Constituinte de 1946.

Esse ambiente de pluralismo não deve, no entanto, esconder a profunda influência política de Vargas nessa nova fase da história republicana. Na verdade, a leitura de historiadores importantes (Fasuto e Baleeiro) sugere que toda a transição para a democracia foi consentida e até coordenada pelo próprio Getúlio. Para se ter uma idéia, depois de sua deposição, ele concorreu ao cargo de deputado federal pelo PTB em 7 Estados e foi eleito senador por São Paulo, mas preferiu a vaga da Câmara Alta que lhe deram os eleitores do Rio Grande do Sul, para onde se muda após deixar o Catete. Aliás, o novo inquilino do Palácio presidencial eleito em 45 foi o general Eurico Gaspar Dutra, apoiado por Vargas, de quem havia sido Ministro da Guerra. A influência de Getúlio na eleição de Dutra contra o candidato da UDN, o Brigadeiro Eduardo Gomes se fez sentir com muita nitidez, como deixa claro, nesta passagem, Boris Fausto:

"A campanha do brigadeiro atraiu setores da classe média dos grandes centros urbanos em torno da bandeira da democracia e do liberalismo econômico. Dutra não entusiasmava ninguém, e chegou-se mesmo a pensar em substituir sua candidatura por outro nome que tivesse maior apelo eleitoral. Quase nas vésperas da eleição, Getúlio acabou por fazer uma declaração pública de apoio à candidatura Dutra. Mesmo assim, ressalvou que ficaria ao lado do povo contra o presidente se ele não cumprisse as promessas de candidato. A oposição foi surpreendida pela nítida vitória de Dutra. Tomando-se como base de cálculo os votos dados aos candidatos, com exclusão dos nulos e brancos, o general venceu com 55% dos votos, contra 35% atribuídos ao brigadeiro. O resultado mostrou a força da máquina eleitoral montada pelo PSD a partir dos interventores e o prestígio de Getúlio entre os trabalhadores. Mostrou também o repúdio da grande massa ao antigetulismo, associado ao interesse dos ricos."

A verdade é que Vargas continuou exercendo fascínio popular na República de 46. Combatido duramente pela UDN, Vargas retorna ao poder em 1950 pelo voto popular de 47% dos eleitores. Seu segundo governo não chegaria ao fim, ou melhor, antes de completar o mandato constitucional comete suicídio em 24 de agosto de 1954, um dia depois do lançamento do Manifesto à Nação, assinado por 27 generais e que pedia a renúncia do Presidente. O manifesto foi uma resposta da UDN e dos setores militares à tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, "o corvo", atribuída a Gregório Fortunato, "o anjo negro" da guarda presidencial.

O gesto extremo de Vargas provocou comoção nacional e adiou em 10 anos o golpe militar no Brasil. Com o povo na rua furioso com a oposição, a quem o próprio Vargas atribuiu a responsabilidade por sua morte na famosa "Carta-Testamento", não havia condições para o golpe dos militares que já se desenhava àquela altura. Assume o poder Café Filho, o Vice-Presidente, com o compromisso de realizar as eleições presidenciais marcadas para outubro de 1955. Nelas é eleito, na aliança PSD-PTB, o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, getulista de Minas Gerais. Para a Vice-Presidência elegeu-se João Goulart, o Jango, pelo PTB, outro getulista, só que do campo trabalhista. O mesmo Jango protagonizaria os eventos mais agudos de 1964 já como Presidente.

A partir do suicídio a República de 46 entraria em decadência. Foram diversas as tentativas de golpe, como os levantes de Aragarças e Jacarecanga contra JK em 56 e 57; a tentativa de impedir a posse de Jango após a renúncia de Janio Quadros em 61; o levante dos sargentos em Brasília em 63 e o dos marinheiros em março de 64; e, finalmente, o golpe militar de 1º de abril de 1964, que depôs João Goulart e inaugurou outra fase histórica. O Brasil atravessaria a "Guerra Fria" sob nova Ditadura. Para esse mundo bipolar, seria preciso uma nova Constituição, talvez duas.

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